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EUA tentam reescrever Minsk II (Rússia diz não) 

TRADUÇÃO PELO COLETIVO DE TRADUTORES DA VILA VUDU

O Dr. Gilbert Doctorow ofereceu recentemente em Russia Insider (trad. em mberublue pensar sem enlouquecer) discussão magistral do que disse o ministro Lavrov em conferência de imprensa recente, em janeiro.

Naquela conferência de imprensa, Lavrov falou sobre um dos encontros diplomáticos mais estranhos e mais misteriosos que aconteceram esse ano, até agora. 


O encontro aconteceu em Kaliningrad, dia 15/1/2016, entre a secretária-assistente de Estado dos EUA Victoria Nuland e Vladislav Surkov, assessor do presidente da Rússia.

Victoria Nuland dispensa apresentações, bem conhecida dos leitores desse nosso Russia Insider ou de quem acompanhe o conflito ucraniano.

Item dos restos deixados para trás pelo governo Bush-Cheney, Victoria é esposa do ideólogo e 'analista' neoconservador Robert Kagan e é conhecida, ela também, como neoconservadora de linha duríssima. A posição de secretária-assistente de Estado dos EUA para Assuntos Europeus faz dela, de fato, uma proconsulesa de Washington na Europa.

Resultado de imagem para NulandNuland teve papel chave na crise de Maidan. Fez-se fotografar, imagem que correu mundo, entregando docinhos aos manifestantes antigoverno, e foi gravada em conversa ao telefone com o embaixador dos EUA Geoffrey Pyatt, conspirando para montar um futuro governo ucraniano, conversa que também rodou o mundo (já apelidada de "telefonema Nuland". Nuland é quem escolheu Arseniy Yatsenyuk (para ela, em tom de intimidade, "Yats", no "telefonema Nuland") para o cargo de primeiro-ministro da Ucrânia; não por coincidência, o homem lá continua até hoje.

Vladislav Surkov é figura ainda mais estranha e muito mais interessante. É o "Dr. Frankenstein" da política russa. 

Como 'contato' entre Putin e a mídia, e mestre consumado na arte de plantar boatos, Surkov se autoatribuiu a extraordinária tarefa de alcançar controle total sobre todo o sistema político russo, modelando-o conforme suas (de Surkov) ideias. Para consegui-lo, começou por tentar criar partidos e movimentos sociais fantoches, à esquerda e à direita do partido governante, Rússia Unida. Assim, Surkov buscava criar um sistema político no qual todos os partidos e lados seriam leais ao Kremlin e controlados por ele (Surkov).

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Surkov
Como muita gente mais realista o preveniu de que aconteceria, aconteceu que, como o Dr. Frankenstein original, Surkov logo descobriu que não conseguiria controlar as próprias criaturas. Em vez de ocupar todo o espaço político à esquerda e à direita do partido Rússia Unida, para assim ganhar tração dentro da opinião pública russa, os partidos 'de Surkov' puseram-se todos a criticar publicamente o partido governante e, em pouco tempo, estavam já competindo contra ele, na disputa por votos.

Resultado, os partidos 'de Surkov' acabaram tirando votos do partido Rússia Unida, o que levou ao revés político que o Rússia Unida sofreu em eleições parlamentares de 2011, e que levaram aos protestos que aconteceram naquele ano.

As maquinações de Surkov tiveram também o efeito danoso de fazer brotar a descrença entre os russos, quanto ao estado da política russa, com muitos cidadãos já duvidando que os partidos políticos fossem o que pareciam ser. 

Se a política russa ainda carrega um traço inescapável de fragilidade, que deixa muitos 
russos nervosos, apesar do alto grau de consenso nacional que há hoje a favor de Putin, é por culpa, em grande parte, de Surkov.

Outra consequência das manipulações de Surkov é que, apesar de ser, pessoalmente, homem extremamente simpático e cortês, é detestado e em todo o espectro da política russa, onde praticamente ninguém confia nele. 

Surkov é o homem que todos os partidos e tendências da política russa – liberais pró-ocidente, comunistas, conservadores e nacionalistas de direita – unem-se para detestar. A única pessoa na política da Rússia que parece confiar em Surkov é o próprio Putin.

Como Victoria (do "
Kaganato dos Nuland"), Surkov também teve papel importante no conflito ucraniano: foi o homem de ligação entre Putin e os líderes de milícias no leste da Ucrânia.

Não surpreende que, se tal figura, tão controversa, recebe a missão de atender La Nuland, a coisa disparou todos os tipos de histórias sobre o que Surkov estaria tramando.

Corre por exemplo a história, na qual muita gente acredita, que naquela época, em julho de 2014, Sukov teria conspirado com o oligarca ucraniano Rinat Akhmetov para entregar Donetsk a Kiev. E desde então não há dia em que não surjam novos boatos sobre novos complôs dos quais Surkov participaria, para trair as milícias da Novorrússia.

Minha opinião é que esses boatos exageram a importância de Surkov, mas, considerando o currículo do homem, são inevitáveis. Nesse quadro é que a decisão de Putin, de mandar Surkov para administrar um contato tão gravemente sensível, tem de ser vista, sim, como muito esquisita, para dizer o mínimo.

Quando duas pessoas tão amplamente detestadas como La Nuland e Surkov, dentre as quais ninguém sabe de quem desconfiar mais, claro que há motivo para alarme.
[1] Quando se sabe que conversaram privadamente, o alarme com certeza aumenta. E desde que começaram a circular notícias sobre o encontro, as sirenes de alarme dispararam, tocando sem parar e alto em toda a Rússia, no Donbass e na Ucrânia.

Tudo isso posto, do que falaram os dois, na tal reunião?

A linha oficial dos russos é que a reunião foi "sessão de brainstorming" à procura de saídas para superar os obstáculos que bloqueiam a implementação do Acordo Minsk II.

Mas não faz sentido. Como alguém encontraria alguma solução para um conflito como o da Ucrânia, em sessão de "brainstorming"? E quem, em sã consciência, cogitaria de adotar solução nascida de um storming nos brains desses dois personagens?!

E também circularam histórias muito estranhas sobre o comportamento da La Nuland durante a reunião.

Há quem diga que ela deixou a sala em estado de extrema agitação, 'avisando' a um Surkov provavelmente boquiaberto – e com todo o serviço secreto russo ouvindo e gravando tudo – que "vai ter guerra, ouviram bem?!", aos gritos de "Putin é um feladaputa de czar!" e esbravejando sobre complôs para dar cabo do presidente.

Mas fato é que Nuland vinha mantendo contatos regulares com o governo russo, já há algum tempo, sobre o conflito ucraniano. 

Ela vinha falando regularmente com o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia Grigory Karazin – diplomata de carreira, profissional duro e muito experiente – já há vários meses, para discutir a Ucrânia e meios para implementar o Tratado Minsk II.

Nesse último encontro, porém, ela foi recebida não por Karasin, mas por Surkov – um assessor do gabinete da presidência, não um diplomata com alto cargo no Ministério de Relações Exteriores –, e o encontro aconteceu em território russo, numa das residências oficiais mantidas pela inteligência russa, onde tudo estaria grampeado, de modo que os russos poderiam não só ouvir mas também gravar tudo que La Nuland dissesse durante a reunião.

Surkov está proibido de entrar na União Europeia e nos EUA. Se La Nuland quisesse falar com ele, não teria escolha se não ir à Rússia. É provável que Kaliningrad tenha sido escolhida para a reunião, como uma espécie de 'território intermediário', a meio caminho entre a Rússia e o ocidente: politicamente é claro que é parte da Rússia; mas antes de 1945 a cidade foi parte da Alemanha e, portanto, é quase 'como se fosse' cidade ocidental. 

Mas não há como fugir do fato de que La Nuland foi forçada a viajar à Rússia para falar com Surkov – que é persona non grata nos EUA –, e teve de encontrá-lo em território russo, numa residência oficial do governo russo.

Tudo isso sugere fortemente que os EUA – provavelmente a própria La Nuland – solicitaram a reunião; e os russos concordaram.

É realmente quase impossível evitar a impressão de que La Nuland e seus chefes no Departamento de Estado resolveram forçar a reunião, porque sentiram que as reuniões entre La Nuland e Karazin, e entre Kerry e Lavrov, estavam dando em nada, e que ela não estava conseguindo fazer com que sua mensagem – fosse qual fosse – subisse até a alta liderança russa (até Putin, certamente) pelos canais diplomáticos normais.

Dito bem claramente, a reunião com Surkov foi uma tentativa, cometida pelo governo dos EUA, para se esgueirar-se pelas costas dos diplomatas do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, e chegar ao ouvido pessoal de Putin. 

Há, sim, rumores de que La Nuland teria solicitado uma reunião com Putin; que os russos rejeitaram, tendo oferecido, em substituição, a reunião com Surkov.  

Que mensagem seria aquela que os EUA queriam fazer chegar diretamente ao presidente Putin – e que La Nuland tentou fazer passar, servindo-se de Surkov como intermediário, se tudo desse certo? Já sabemos, porque Lavrov falou sobre ela, na conferência de imprensa.


"Agora todos, inclusive nossos colegas norte-americanos, nos dizem: 'Basta cumprirem os acordos de Minsk sobre a Ucrânia, e imediatamente tudo voltará ao normal. Imediatamente cancelaremos as sanções e abrir-se-ão possibilidades tentadoras de cooperação entre Rússia e os EUA em questões muito mais agradáveis, não só para gestão de crises; imediatamente, ganhará forma um programa de parceria construtiva.'

"Os russos estamos abertos à cooperação com todos os países, em bases igualitárias, mutuamente vantajosas. Claro que os russos não desejamos que alguém construa as próprias políticas baseadas no pressuposto de que a Rússia, não a Ucrânia, é quem teria de cumprir os acordos de Minsk. Os acordos trazem, escrito, quem deve cumpri-los. Espero que os EUA tenham percebido isso. 

Pelo menos, meus mais recentes contatos com o secretário de Estado John Kerry; e oscontatos de Surkov, Assessor da Presidência da Rússia, com a vice-secretária de Estado Victoria Nuland, indicam que os EUA, sim, conseguem entender a essência dos acordos de Minsk. Grosso modo, todo mundo entende tudo..."
(sublinhados meus).

Em outras palavras, os EUA estão oferecendo levantar as sanções, se os russos aceitarem reescrever o acordo de Minsk II e, na sequência, fazer algumas coisas conforme o 'novo' acordo de Minsk II, reescrito, disponha. 

Já se sabe, de coisas que Poroshenko disse e do que o próprio 
Putin disse recentemente em entrevista à revista alemã Bild-Zeitung, o quanto os EUA e os ucranianos querem que o acordo de Minsk II seja reescrito. É isso que tanto querem que os russos façam.

Minsk II diz que a Rússia devolverá o controle sobre a fronteira tão logo a Ucrânia tenha reformado a Constituição, para assegurar ampla autonomia e Status Especial às duas Repúblicas Populares. 

Isso, precisamente, é o que os EUA e Kiev querem tirar do Acordo. Querem que os russos entreguem já a Kiev o controle sobre a fronteira, deixando 'para depois' a reforma da Constituição.

Nem é preciso dizer que, se se inverter a ordem dos eventos fixada no acordo Minsk II, a reforma da Constituição – que é o verdadeiro objetivo, de fundo, do acordo – jamais acontecerá. Tendo reconquistado o controle sobre a fronteira, os ucranianos simplesmente atropelarão o compromisso de reformar a Constituição; e enquanto atropelam o compromisso, massacrarão à moda Kiev as populações das duas Repúblicas Populares.

A conferência de imprensa de Lavrov mostrou claramente que os russos disseram "não" a vice-secretária Nuland.

Lavrov disse que ele rejeitou a proposta, quando Kerry a apresentou. Dessa vez, aconteceu que La Nuland – para quem a Ucrânia nazificada é projeto pessoal – tentou esgueirar-se pelas costas de Lavrov e Karasin, para apresentar a proposta dos EUA diretamente ao presidente Putin. Mas não conseguiu; Putin mandou Surkov, o qual, em nome de Putin disse "não". 

Dois eventos em janeiro podem talvez ter levado Nuland e os EUA a suporem que Putin seria dobrável. O primeiro foi a renovação das sanções da União Europeia "até que o Acordo de Minsk seja inteiramente implementado" (sobre o absurdo dessa proposta, ler minha avaliação, 
aqui). O segundo foi a queda nos preços do petróleo e o noticiário entusiástico nos EUA sobre uma suposta crise terminal na economia e no orçamento da Rússia.

O que aconteceu foi que La Nuland ouviu de Surkov exatamente o mesmo que já ouvira de Karasin, o mesmo que Lavrov dissera a Kerry. É o mesmo também que Putin disse ao jornal Bild-Zeitung e que Merkel e Hollande ouviram dele, na reunião do Formato Normandia em Paris.

Os russos absolutamente não concordam com reescrever o acordo de Minsk II, e insistem em que seja cumprido ao pé da letra – pelos ucranianos – porque é a quem cabe agir, conforme o tratado –, não pelos russos.

O fato de os russos descreverem o encontro entre La Nuland e Surkov como "brainstorming", e as histórias sobre o estranho comportamento dela na reunião, sugerem que, depois de La Nuland ouvir a resposta de Surkov, ela exaltou-se; e a coisa virou o mais horrendo bate-boca, que se arrastou por quatro horas. 

É o que explica os relatos de palavrões e ameaças de guerra próxima e sugestão de complôs para dar cabo de Putin, que seriam o modo de o "Kaganato dos Nuland" 'avisar' Putin de que a janela de oportunidade para a Rússia 'baixar a crista' na Ucrânia está-se fechando para os russos, porque os EUA em breve terão presidente mais confrontacional (Hillary?), depois das eleições.

Se essa interpretação estiver correta – e é a única plenamente consistente com todos os fatos já conhecidos –, então se confirmam várias coisas.

A primeira – óbvia – é que os EUA, ou, no mínimo, alguma facção linha dura nos EUA – está infeliz com o acordo Minsk II e quer 'mudanças'.

A segunda é que os russos não aceitarão e não são subornáveis com oferecimentos de levantar as sanções – nem se deixarão intimidar por ameaças, para que mudem de posição.

Os europeus já aprenderam várias vezes – e não lhes saiu barato – que os russos não se deixarão pressionar por causa da Ucrânia. 

Descobriram durante os encontros com Putin nas cúpulas em Milão e Brisbane em 2014, e novamente re-descobriram também nos encontros de Merkel e Hollande com Putin, em fevereiro, ano passado, em Moscou e Minsk. E re-re-descobriram, pela terceira vez, durante a reunião em Paris do Formato Normandia.

Agora – depois de os europeus nada conseguirem – é a vez dos EUA: primeiro Kerry tentou, com Lavrov, e La Nuland, com Karasin.  La Nuland tentou outra vez com Putin via Surkov, e a resposta não mudou. 

Esse de fato tem sido o padrão consistente ao longo de toda a crise ucraniana. As potências ocidentais não se cansam de superestimar a própria capacidade para influenciar Moscou com sanções e pressões. E quando re-re-re-re-descobrem que não funcionam, ficam furiosos e põem-se aos berros. 

Os russos estão no comando e já aplicam em casa o que aprendem: o que se vê hoje são declarações das autoridades ao grande público, cada dia mais magistralmente coordenadas.

O que se viu foi uma sucessão de declarações de altos funcionários russos ao longo de umas poucas semanas recentes, todos dizendo que é Kiev, não Moscou, quem tem obrigação de implementar o acordo Minsk II, e que a Rússia não falará mais sobre sanções nem será pressionada por sanções a fazer o que considere errado.

PutinLavrovIvanov Patrushev, todos, disseram precisamente isso recentemente; e Lavrov acaba de contar ao mundo que Surkov disse o mesmo a La Nuland também no privado.

Aqui, os meus comentários sobre esse assunto, em artigo sobre recente entrevista com Sergei Ivanov, chefe de Gabinete de Putin e n. 2 da Rússia, na qual ele falou especificamente sobre a Rússia absolutamente se recusar a discutir sanções com o ocidente:

"Ivanov diz que a Rússia recusa-se a discutir sanções com os EUA ou com os europeus e impedirá qualquer tentativa para trazer à discussão o assunto "sanções" em qualquer reunião convocada para discutir Ucrânia.

Segundo Ivanov, se os que impuseram as sanções entenderem que erraram, que levantem as sanções e admitam publicamente o próprio erro.

Se é verdade – e não há razão que leve a duvidar do que Ivanov diz sobre esse assunto –, nesse caso o modo como os russos tratam a questão deve ser causa de terrível frustração e atordoamento para os governos ocidentais."

Notícias vindas de Kiev dizem que Boris Gryzlov, novo representante da Rússia no Grupo de Contato (e cuja nomeação discuti em "Rússia escala um peso pesado") também levou a mesma mensagem para a primeira visita que fez a Kiev depois de nomeado.

O fato de os EUA tentarem achar algum modo de reescrever o Acordo Minsk II para satisfazer seus protegés ucranianos não é surpresa para ninguém. O importante é que os russos não farão nenhuma concessão, e que a campanha dos EUA para reescrever Minsk II continuará a colidir contra a sólida muralha da decisão já tomada pelos russos.

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[1] De fato, se se lê o que se encontra (traduzido) em "O Rasputin de Putin", de 2011, a impressão que se tem é de que o sentimento dominante no 'ocidente', sobre Surkov, é medo, muito mais que desconfiança [NTs].

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