Membros da milícia curda em Manbij
Estão diminuindo as tensões da nova Guerra Fria


M K Bhadrakumar, tradução de btpsilveira


Depois de um intervalo de três anos, a Rússia e a OTAN entraram novamente em contato hoje (ontem), em nível militar. Voltando a abril de 2014, na sequência da “mudança de regime” na Ucrânia, o Conselho da OTAN resolveu congelar as suas relações com a Rússia. O Ministério da Defesa russo anunciou hoje (ontem) que o Chefe do Estado Maior da Rússia, Gen. Valery Gerasimov conversou por telefone com o presidente do Comitê Militar da OTAN, Gen. Petr Pavel. O anúncio, oriundo de Moscou, diz, inter alia (expressão latina que quer dizer: ‘entre outras coisas’ – NT),


O chefe do Estado Maior russo colocou para seu interlocutor as preocupações de seu país quanto ao aumento cada vez maior das atividades da Organização do Tratado do Atlântico Norte e seus aliados perto das fronteiras russas e a instalação e evolução posicional das forças unidas da OTAN... Os dois lados concordaram com a necessidade de medidas de lado a lado destinadas a reduzir a tensão e estabilizar a situação na Europa. O General de Exército Gerasimov e o General Pavel concordaram na continuidade dos contatos.

Uma decisão da OTAN dessa magnitude – retomada dos laços com as mais altas patentes dos militares russos – só poderia ser possível com um sinal verde ou autorização prévia de Washington. Colocando de maneira mais simples, a administração Trump está se desviando da política da administração Obama de ‘isolar’ a Rússia. O discurso de Trump na terça feira, no Congresso dos Estados Unidos, evitou fazer qualquer referência à Rússia. Trata-se de mais uma contenção quando nos lembramos das diatribes de Obama contra a Rússia no seu discurso final no Congresso, ano passado.

Curiosamente, o Ministério de Relações Exteriores russo declarou na quinta feira que o Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel, deve visitar Moscou em 09 de março e que a pauta deve ser “o foco nos esforços multilaterais para solucionar as crises na Ucrânia e na Síria e normalizar a situação na Líbia”.
Três dias antes, em 28 de fevereiro, o Ministro Adjunto de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov sugeriu um encontro entre o Presidente Vladimir Putin e o Presidente Donald Trump. Nas palavras de Ryabkov,
Ainda não há entendimento quanto à data e o local onde esse encontro poderia acontecer, mas as preparações práticas para que ele se realize já foram lançadas e há uma compreensão mútua entre os dois países a esse respeito. Naturalmente, neste estágio inicial de um diálogo com a nova administração, é difícil concluir como progredirão os assuntos específicos a serem discutidos. Uma previsão para tal perspectiva tornar-se-á possível quando virmos as ações práticas de Washington.

Enquanto isso, em uma inacreditável reviravolta do destino, a Rússia e os Estados Unidos subitamente se encontram do mesmo lado no Norte da Síria em seus esforços para impedir que a Turquia desencadeie uma “guerra dentro da guerra” no país. A milícia síria curda (aliada dos Estados Unidos no Norte da Síria) construiu um acordo com as forças do governo sírio para bloquear as tropas turcas em seu avanço para Manbij (só para refrescar a memória, Manbij foi retomada do Estado Islâmico em uma operação conjunta entre as forças especiais dos EUA e a milícia curda em agosto passado). Ainda mais interessante, foi a Rússia que fez o papel de intermediária entre a milícia curda e o exército sírio hoje. (TASS).

Então, o que temos até agora? A Turquia está planejando ir na jugular da milícia curda que atualmente está no controle em Manbij, mesmo sabendo muito bem que esta é apoiada totalmente pelo Comando Central dos Estados Unidos e que há forças dos EUA no terreno junto com a milícia. Como uma análise da Reuters colocou, a Turquia e os Estados Unidos parecem estar em “rumo de colisão”. Oportunamente, a Rússia entra no jogo para dar ao governo sírio a oportunidade de tomar posse de território que está em mãos da milícia curda nas imediações ocidentais de Manbij para bloquear o avanço das forças turcas.


Desnecessário dizer que é difícil acreditar que não houve contatos entre militares russos e (norte)americanos em nível operacional e relacionados à situação perigosa e instável que se desenvolve nas cercanias de Manbij. Quando o porta voz do Kremlin, Dmitry Peskov, foi perguntado na manhã de hoje (ontem – NT) sobre possíveis contatos entre Rússia e EUA relacionados à crise na Síria, ele respondeu que “não houve contatos substanciais”.

O Pentágono apresentou à Casa Branca em 28 de fevereiro seu relatório estratégico para o combate ao Estados Islâmico. O renomado analista para questões relacionadas à segurança, Andrei Akulov, de Moscou, lhe deu uma avaliação positiva, mostrando a possibilidade de cooperação e coordenação entre Rússia e Estados Unidos na luta contra o terrorismo. O quadro que emerge de uma entrevista do alto comandante dos EUA no Iraque, General Stephen Townsend na quarta feira via teleconferência a partir de Bagdá é o seguinte:

·         É improvável que os EUA enviem um grande número de tropas para a Síria;
·         Os EUA deverão continuar a considerar a milícia curda como aliado indispensável na Síria;
·         Os militares (norte)americanos não recomendarão qualquer mudança significativa na estratégia para a Síria – ou seja, lutar “via, com e através de nossos parceiros locais”;
·         A milícia curda tem um importante papel a desempenhar nas futuras operações para liberar Raqqa, a capital “de fato” no leste da Síria; e,
·         Os Estados Unidos não vão concordar com a visão turca de que os curdos sírios representam, uma ameaça para a sua segurança nacional.

A transcrição da teleconferência do General Townsend está aqui. A principal pergunta é se podemos esperar ou não uma cooperação militar entre os EUA e a Rússia na Síria. Em uma declaração em meados de fevereiro, o Secretário da Defesa dos EUA James Mattis afastou essa possibilidade. Mas as coisas podem mudar. A retomada dos contatos de alto nível entre a OTAN e a Rússia sinaliza que se pode esperar uma diminuição das tensões nos laços entre o ocidente e a Rússia. O telefonema de hoje (ontem) é um sinal inicial de que as mudanças podem estar no ar. Vamos chamar isso de “efeito Trump”.

Contra este pano de fundo, as conversações do Ministro de Relações Exteriores da Alemanha em Moscou assumem uma maior importância. Para o benefício dos não iniciados, Gabriel era protegido de Egon Bahr, o famoso político alemão do SPD que é lembrado como sendo o criador da política denominada Ostpolitik  – a política externa de contenção com a extinta URSS e outros membros do Pacto de Varsóvia em geral, o qual teve início em 1969 e que foi colocado em prática pelo então Chanceler Willy Brandt.




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